sexta-feira, 16 de março de 2012

Nem tudo é mau - Portugal está a provar ser mais flexível e competitivo que vaticinado; mais uma vez o ajustamento está a ser mais veloz do lado do sector privado que público. Buscam-se novos mercados e produtos; adequa-se procura a rendimentos.

No âmbito da publicação dos dados provisórios das contas nacionais relativas ao quarto trimestre de 2011, soube-se que, nesse período, a economia portuguesa tinha registado um saldo externo positivo. Em vez da tradicional necessidade de financiamento, Portugal evidenciou capacidade de emprestar ao resto do mundo (0.2% do PIB). Efectivamente, entre 2010 e 2011, em termos anuais, o desequilíbrio externo nacional corrigiu de 8.9% do PIB para 5.2% – uma redução em cerca de 41%. Este ajustamento explica-se, não só pela queda das importações (-5.5%) devido à contracção da procura interna, mas sobretudo pelo desempenho das exportações ( 7.4%). Os dados relativos ao mês de Janeiro (incremento nominal de 10.9%) consolidam a expansão das exportações, para além da recuperação da quebra induzida pelo arrefecimento do comércio mundial em 2009.

Este resultado é particularmente valioso, porque nos anos em que Portugal registou excedentes externos no passado – 1966-1974 e 1985-88 – o País beneficiou de forte incremento de remessas de emigrantes, no primeiro período, e conjugação de desvalorização cambial imposta pelo programa de ajustamento do FMI de 1983-85 com a adesão às Comunidades Europeias e consequente acesso a fundos estruturais, no segundo momento. O ano de 2011 espera-se que inaugure um novo período da economia nacional, no qual o motor de crescimento se reorienta de procura interna para externa e de produção de bens não-transaccionáveis, como restaurantes e cabeleireiros, para bens transacionáveis, como sapatos e transístores. Este resultado evidencia a flexibilidade da produção nacional, na presença de um mercado doméstico deprimido, e contraria a percepção externa de falta de competitividade. Segundo dados recentes do Eurostat, no último trimestre de 2011, Portugal e a Irlanda registaram as maiores quedas de custos laborais horários. Contudo, enquanto em Portugal o salário/hora na indústria atinge 10.3 euros (35% da média da EU-17, que compara com 45% nos serviços), na Irlanda ascende a 28.8, 21.9 em Espanha ou 15.7 na Grécia. O mesmo nível de custos laborais lusitano encontra-se na República Checa.

Portugal está a provar ser mais flexível e competitivo que vaticinado; mais uma vez o ajustamento está a ser mais veloz do lado do sector privado que público. Buscam-se novos mercados e produtos; adequa-se procura a rendimentos. Porém, para a alteração do modelo ser viável, o produto português tem de mudar em termos de valor: têm de produzir-se bens e serviços que permitam remunerar os factores produtivos como na Irlanda ou Espanha. Têm de existir mercados internos, infra-estruturas, qualificações, instituições compatíveis. Ensaia-se o primeiro passo enquanto se anseia pelo salto fundamental da criação de valor (com volume).

A redução das necessidades de financiamento externo oferece outro benefício: diminui a dependência de poupanças externas (privadas ou oficiais) – outra das vertentes de ajustamento do programa. As dificuldades financeiras com que Portugal se defronta decorrem do desinteresse das poupanças estrangeiras por dívida nacional. Na medida em que estas são menos necessárias e exista poupança interna suficiente e disponível, a preocupação com a capacidade do governo português conseguir refinanciar dívida de médio prazo em meados de 2013 deve ser contextualizada. Itália e Japão têm convivido com elevada dívida pública, reduzidas taxas de juro, e baixa participação de investidores não-residentes.

Fonte: Jornal de Negócios

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