As primeiras manifestações do 1.º de Maio em Portugal (1890 -1893)
O 1.º de Maio não só continua a manter toda a sua actualidade, como conserva as características que lhe deram forma: dia de luta, em que o proletariado apresenta as suas reivindicações; dia de festa, de confraternização e de solidariedade.
...O 1.º de Maio é a data- símbolo com maior longevidade na história contemporânea e é, ao mesmo tempo, o único feriado de carácter social existente no nosso país.
O nascimento do 1.º de Maio
Na sequência dos acontecimentos de Chicago, o Congresso Operário Internacional, reunido em Paris em Julho de 1889, decidiu que, no futuro, o dia 1.º de Maio seria escolhido para a grande manifestação internacional dos trabalhadores, declarando que em todos os países e cidades, ao mesmo tempo, os operários abandonassem o trabalho a fizessem uma grande manifestação em favor das oito horas, o que veio a acontecer.
De facto, e não obstante as medidas repressivas desencadeadas contra os trabalhadores, no dia 1.º de Maio de 1890 verificaram -se manifestações na Europa, América a Austrália. O 1.º de Maio de 1890 registou a primeira poderosa acção do proletariado à escala mundial, unido na grande aliança da paz, da liberdade a da igualdade. E o mesmo se passou em Portugal, onde se promoveram manifestações em Lisboa a no Porto. Os trabalhadores portugueses participavam, assim, desde o primeiro momento, num acontecimento fundamental da história social do século XIX.
O 1.º de Maio em Portugal
A manifestação do 1.º de Maio em Portugal assume três formas distintas: honrar os heróis tombados no combate contra o Capital (culto dos mortos); afirmação das reivindicações operárias e festa do trabalho.
Inicialmente, o 1.º de Maio teve entre nós um acentuado culto dos mortos. Depois, prevalecem os cortejos a as manifestações festivas. Mais tarde, são as manifestações de protesto que ganham terreno. Todavia, as primeiras manifestações do 1.º de Maio no nosso país também se processaram através de comícios, onde foram aprovadas as reivindicações operárias a apresentar aos poderes públicos, conforme decidira o Congresso de Paris.
Nas sociedades agrárias, onde predomina o trabalho agrícola, o culto dos mortos está profundamente enraizado.
Portugal, país agrícola, tinha então condições propícias para tudo o que se relacionasse com o culto dos mortos. Assim, os heróis caídos na luta são o centro das manifestações em 1890, 91 e 92. Para além dos «mártires de Chicago», mortos na luta pelas 8 horas, honrava se a memória dos homens que difundiram as ideias socialistas no nosso País e lutaram pela dignidade do operariado, muito especialmente José Fontana, considerado o fundador do movimento operário português.
A ida ao túmulo de José Fontana, no Cemitério dos Prazeres, em Lisboa, é, sem dúvida alguma, a mais significativa a participada das cerimónias fúnebres, na qual participam dezenas a dezenas das mais variadas associações operárias, centros socialistas, cooperativas, sociedades recreativas, etc..
A partir de certa altura, começaram a predominar os cortejos a as manifestações festivas. As bandas musicais percorrem as ruas tocando o Hino 1.º de Maio e A Internacional. Cortejos de carros alegóricos das várias actividades produtivas desfilam pelas principais artérias. Organizam -se piqueniques e passeios ao campo. À noite, efectuam -se sessões nas associações operárias, onde se confraterniza.
Dia de luta ou dia de festa são, no fundo, expressões das correntes político ideológicas predominantes no movimento operário. Ambas coexistirão durante um certo tempo em Portugal, sobretudo até à implantação da I República. Mas a partir de 1911, mercê da propaganda a do esforço organizativo dos sindicalistas revolucionários, a primeira forma tornou -se dominante e assim se manterá até ao advento do regime fascista.
A primeira manifestação do 1.º de Maio
A primeira manifestação do 1.º de Maio no País verifica-se quando por toda a Europa o capitalismo atravessava uma grave crise. Em Portugal a crise é bastante aguda. É neste contexto que a Associação dos Trabalhadores decide levar a cabo a manifestação do 1.º de Maio. Os preparativos começaram tempos antes, havendo quem defendesse uma greve geral.
O dia 1.º de Maio caiu a uma quinta -feira. Nesse dia, em Lisboa, 8 mil operários abandonaram o trabalho da parte da tarde e, sob a vigilância da polícia, concentraram -se no Cemitério dos Prazeres para homenagearem José Fontana.
Junto ao túmulo deste falaram vários operários, que eram constantemente interrompidos pela polícia. À noite, na associação Recreio Operário, teve lugar o comício que aprovou as reivindicações operárias, principalmente, a jornada de trabalho de 8 horas.
No Porto efectua -se um comício no Monte Aventino, no qual participaram, segundo os jornais da época, 20 mil manifestantes.
Animado com o êxito da manifestação do 1.º de Maio em Lisboa e no Porto, o conselho federal do Sul da Associação dos Trabalhadores decidiu organizar, no domingo seguinte, 4 de Maio, um comício semelhante ao realizado na capital nortenha. Nesse comício foi aprovado o documento contendo as reivindicações dos trabalhadores, tal como preconizara o Congresso de Paris de 1889. No documento reivindicava- se, entre outras coisas, o seguinte:
«a) Limitação do dia normal de trabalho a um máximo de oito horas para os adultos;
b) Proibição do trabalho das crianças menores de 14 anos, a redução do trabalho a um período de seis horas diárias para os jovens de ambos os sexos de 14 aos 18 anos.»
Como salientou Piteira Santos, algumas das reivindicações apresentadas revelam uma consciência de classe surpreendente e mostram também que, independentemente do carácter festivo de que se revestia, a manifestação do 1.º de Maio esteve associada à luta global dos trabalhadores pelos seus direitos e, em particular, à luta pelas 8 horas de trabalho.
A renovação do 1.º de Maio
A manifestação do 1.º de Maio de 1890 realizou- se, por toda a Europa, de acordo com a resolução do Congresso de Paris do ano anterior. Contudo, o êxito alcançado foi tal que, desde logo, se viu a necessidade de continuar a manifestação nos anos seguintes. E assim aconteceu em todos os países, incluindo Portugal.
A manifestação do 1.º de Maio de 1891 em Lisboa foi imponente. Começou com a romagem ao túmulo de José Fontana, na qual participaram milhares de operários de quase todas as profissões, e concluiu-se com um comício realizado na Calçada do Forno do Tijolo, aos Anjos. Reivindicando as 8 horas de trabalho, falaram vários operários.
Além disso, foram aprovadas duas moções, uma dirigida à Câmara Municipal e outra aos deputados, ambas visando a satisfação das reclamações operárias.
Em 1892, a manifestação do 1.º de Maio realizou se em várias localidades, para além de Lisboa e do Porto. Em Almada, a Associação de Classe dos Corticeiros promoveu um comício logo de manhã, para que os operários pudessem assistir, à tarde, ao comício de Lisboa. Em Setúbal, houve uma romagem à campa dos operários falecidos, seguida de uma confraternização operária.
O 1.º de Maio de 1893 foi laboriosamente preparado. Foi constituída pelas associações de classe (sindicatos) a União Operária do 1.º de Maio, responsável pela organização da manifestação a levar a cabo em Lisboa. Deram a sua adesão à União todas as organizações operárias da capital e, também, algumas da província.
A União publicou um manifesto apelando a todos os operários para que considerassem feriado o dia 1.º de Maio, e decidiu que a manifestação se processasse de três formas: cortejo cívico, de manhã; um comício à tarde e sessões alusivas ao acto, à noite, nas várias associações operárias.
Em seguida expediu exemplares do manifesto para Almada, Barreiro, Coimbra, Covilhã, Estremoz, Faro, Montelavar, Portimão, Porto, Setúbal, Silves, Sines e Torres Vedras. Enquanto isso, distribuiu por todas as associações e colectividades operárias partituras do Hino 1.º de Maio.
No dia 1.º de Maio a polícia foi postar-se junto das sedes das associações operárias, para intimidar os manifestantes.
Apesar disso, milhares de operários faltaram ao trabalho, correspondendo, assim, ao apelo da União Operária do 1.º de Maio. Às dez horas, «debaixo de um sol ardentíssimo», como relata o jornal A Voz do Operário, o cortejo saiu do Pátio do Salema e dirigiu -se ao Cemitério dos Prazeres, onde se concentraram 10 mil manifestantes.
Depois de terem prestado homenagem a José Fontana, os manifestantes dirigiram -se para os terrenos onde existira o Teatro Alegria (na Rua da Alegria), a fim de participarem no comício. Neste falaram vários oradores e foram aprovadas as reclamações operárias sobre as 8 horas. E a manifestação terminou como fora programada, com a realização de várias sessões nas associações e colectividades operárias da capital.
A manifestação do 1.º de Maio de 1893 foi a mais importante de todas as até então realizadas. E a imprensa burguesa, sempre tão pródiga em menosprezar e caluniar o operariado, foi forçada a reconhecer a sua força a importância na sociedade portuguesa, havendo até, como o Correio da Manhã, quem lhe chamasse o «Quarto Estado», novo e formidável poder que, no dia 1.º de Maio, passa revista às suas forças e cujas reclamações não podiam deixar de ser atendidas.
As manifestações do 1.º de Maio fizeram sentir aos governos monárquicos que o operariado não podia mais ser ignorado. Por isso, foram forçados a tomar algumas medidas. Logo em Março de 1891 foi promulgada a lei da jornada de trabalho de 8 horas para os operários tabaqueiros. No mês seguinte, um decreto-lei revogava as disposições sobre o trabalho de menores, datadas do ano anterior. E em 9 de Maio do mesmo ano era publicado o decreto que regulamentava o funcionamento das associações de classe (primeira lei sindical), que se manteve em vigor até à fascização dos sindicatos por Salazar, em 1933.
Pretendendo conquistar a simpatia do operariado, a I República (1910- 1926) permitiu que o 1.º de Maio fosse feriado em várias cidades a vilas do País. E em 1919 foi obrigada a promulgar a lei que instituiu o horário de trabalho de 8 horas para os trabalhadores da indústria e do comércio. Os trabalhadores agrícolas só em 1962 conquistaram esse horário.
Após a Revolução Democrática de 25 de Abril de 1974, o 1.º de Maio passou a ser feriado oficial, sendo uma das primeiras conquistas da Revolução dos Cravos. Apesar da sua longevidade, o 1.º de Maio continua a manter toda a sua actualidade...
Fonte: Francisco Canais Rocha (Historiador)
http://fiequimetal.pt/fstiep/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=244
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