terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Intervenção do Primeiro-Ministro, Pedro Passos Coelho, na Conferência “The outlook for economic growth and reform”, em Cascais

«Prezados representantes do “The Economist”,

Senhor Presidente da Câmara Municipal de Cascais,

Senhoras Embaixadoras e Senhores Embaixadores,

Ilustres Convidados e Participantes,

Esta oportuna Conferência constitui um sinal importante. Sinaliza o caminho longo que já percorremos. Mas é também um sintoma da mudança que entretanto ocorreu.

Portugal está sob olhar mais atento da Europa e do Mundo desde os primeiros meses de 2011. E assim foi durante todo o período que mediou até ao pedido de auxílio externo e ao início do Programa de Assistência, em Maio de 2011. Nessa altura, Portugal encontrava-se debaixo desse escrutínio por razões pouco recomendáveis. O País chegara à beira de um colapso financeiro e económico. Restava saber se conseguiria cumprir o Programa de Assistência. E restava saber se, tendo sucesso no cumprimento desse Programa – para muitos uma grande incógnita na segunda metade de 2011 –, a execução da estratégia de reforma traria resultados palpáveis, ou não.

Durante o primeiro ano de execução do Programa, de aplicação de inúmeras medidas relativas aos três grandes pilares da nossa acção - a estabilização financeira, a consolidação orçamental e as reformas estruturais para a transformação da economia -, a imprensa estrangeira foi predominantemente céptica. Recordo as principais razões apontadas. Depois do último ‘downgrade’ efectuado pela S&P no início de 2012, o preço dos títulos de dívida pública portuguesa afundaram, deixando os juros em máximos desencorajadores. Por outro lado, a crise na zona euro estava ainda longe de ser superada, com a Grécia mergulhada numa crise profunda e com muitos a pensar que Portugal viria a seguir na lista dos que acabariam por necessitar de um segundo programa. Por fim, mesmo os que acreditavam no compromisso do governo em cumprir o programa de assistência em matéria de disciplina orçamental e de ambição estrutural, desconfiavam que os resultados práticos de tais reformas demorariam demasiado a manifestar-se, deixando a grande incógnita sobre como haveria Portugal de regressar ao crescimento da economia, sem o qual não haveria sustentabilidade da dívida.



Mas em Portugal, e dentro da divergência de opiniões própria de uma sociedade democrática, a grande maioria dos Portugueses acreditou que seríamos capazes de cumprir este difícil e exigente Programa, fazendo-o sem sermos arrastados para um segundo resgate, que infligiria um novo choque à economia portuguesa de proporções difíceis de antecipar. Numa democracia não poderia deixar de ser assim: foi a vontade dos Portugueses de permanecer na área do euro, de honrar os nossos compromissos europeus e de mudar a nossa economia que determinou a viragem que hoje vivemos. Foi esse, creio, o nosso grande trunfo. Agora que nos aproximamos do final do Programa de Assistência, esse é um facto que não pode ser ignorado e que merece o meu mais profundo reconhecimento. E também é preciso sublinhar que os nossos parceiros europeus sempre confiaram nas nossas capacidades, e que esse voto de confiança acabou por ser decisivo na frente externa.

Evitámos, pois, os piores cenários. Entretanto, graças aos nossos trabalhadores e empresários, e aos primeiros efeitos das reformas estruturais, a economia inverteu a trajectória recessiva e começou a crescer. Desde o segundo trimestre de 2013 até ao final desse ano a economia portuguesa registou um crescimento bastante apreciável, pelo menos quando comparado com os nossos parceiros da zona euro. No 2º trimestre, o crescimento em variação trimestral foi o mais elevado de toda a União Europeia. No 4º trimestre, uma vez mais em variação trimestral, tivemos a terceira taxa mais elevada de todas as que foram registadas na área do euro, e em termos homólogos a segunda maior.

Ao mesmo tempo, temos recebido notícias encorajadoras do mercado de trabalho ao longo desses últimos três trimestres de 2013, com a criação líquida de mais de 120 mil postos de trabalho nesse período e até ao final de Dezembro. Estes são os dados mais significativos da passagem da recessão e destruição de emprego para a recuperação económica do País. Eles estão suportados por indicadores importantes fundamentais. Dou apenas alguns exemplos. O crescimento das exportações portuguesas foi nestes últimos anos um dos maiores em toda a área do euro, superior ao crescimento das exportações na Alemanha e na Espanha, dois países que são regularmente referenciados na imprensa internacional como casos de sucesso de conquista de mercados externos. A produção industrial registou em Dezembro o maior crescimento mensal da União Europeia. 2013 foi o melhor ano de sempre no turismo. Além disso, os indicadores avançados da OCDE continuam consistentemente a anunciar a consolidação destes resultados no ano de 2014. Na última publicação, a OCDE revelou que o crescimento homólogo deste indicador em Portugal lidera o de todos os seus Estados-membros.

Houve, portanto, uma grande mudança nas nossas perspectivas que dá outro ânimo e outra esperança aos Portugueses. Mas a mudança mais significativa do ponto de vista externo ocorreu na percepção da comunicação social estrangeira. De facto, até meados de 2012 Portugal figurava no radar da imprensa internacional pelas más razões mas, nos últimos meses, Portugal passou a ser referido nas grandes sedes do debate público europeu e internacional por se ter constituído como exemplo. Como um bom exemplo.

Não que aqui não tenhamos dificuldades, ou que não estejamos a fazer grandes sacrifícios. Foram e são múltiplos os nossos obstáculos e desafios. É grande a dor que o desemprego e a frustração de expectativas ainda geram. Mas agora somos olhados como um exemplo de como dar sentido a sacrifícios tão exigentes e dolorosos, de persistência, de esforço reformista, de inconformismo com um passado de estagnação, de vontade de mudar. De mudar para melhor, para um futuro de prosperidade com sustentabilidade. Essa é uma mudança considerável.

Essa mudança de perspectiva e de análise sobre o desempenho do programa em Portugal está, como referi, muito ligado aos resultados macroeconómicos que temos vindo a evidenciar. Porém, as alterações entretanto registadas no contexto europeu foram também muito importantes para a perspectiva sobre Portugal. Apesar de a crise económica nos últimos dois anos, sobretudo na zona euro, ter dificultado um contributo mais significativo das exportações portuguesas, a verdade é que a evolução registada no domínio do aprofundamento da união económica e monetária e na dimensão da gestão de crises, incluindo a acção do BCE, ajudou a percepcionar uma evolução mais positiva para os países sujeitos a maior pressão de mercado. Nessa medida, a evolução europeia acabou por fornecer um quadro de perspectiva também mais favorável para a evolução do caso português.

Creio que também é importante anotar o efeito inverso, isto é, o de que o bom desempenho de Portugal no contexto do programa de assistência constituiu uma base relevante para o reforço da confiança na área do euro e para a superação da crise europeia. Estivemos e estamos sob o olhar do Mundo. Mas agora somos olhados com outros olhos. Os nossos aliados europeus deram-nos, como já salientei, um importante voto de confiança. No entanto, durante este período Portugal também foi encarado como um teste para as instituições europeias, para a relação entre a realidade nacional e as dinâmicas europeias, para a capacidade de um membro da área do euro que acumulou desequilíbrios micro e macro económicos gravíssimos corrigir esses desequilíbrios e abraçar uma condição de sustentabilidade estrutural. Por isso, num sentido muito amplo, parte importante do desenlace da crise europeia nos últimos dois anos esteve também dependente do resultado obtido em Portugal.

Foi com esta convicção europeia e com a articulação do interesse do todo da União, que tem de consistir na convergência dos interesses de todos cantos da União – o Norte, o Sul, o Leste e o Oeste –, que estivemos na dianteira da proposta de uma União Bancária plena. Foram introduzidas mudanças para tornar a área do euro mais resistente às crises e mais proactiva na sua prevenção, como já salientei. Mas sem uma União Bancária essas mudanças não serão tão eficazes quanto se espera. É uma reforma institucional indispensável para quebrar o círculo vicioso entre as crises soberanas e o sistema bancário, e que produziu tantos efeitos negativos nas economias mais atingidas pela turbulência dos últimos anos. Essa ligação perniciosa entre as crises bancárias e o endividamento dos Estados conduziu ao fenómeno da fragmentação financeira na Europa.

Não posso deixar de insistir neste ponto. A fragmentação financeira não tem sido só um factor de agravamento da crise económica nos países mais afectados. Não ameaça só ser um travão ao crescimento económico e à criação de emprego que queremos acelerar. É também algo que contraria directamente a própria lógica do Mercado Único, que – não nos devemos esquecer – se baseia na concorrência sem discriminação geográfica. Mas a fragmentação financeira faz com que duas empresas com uma estrutura de gestão idêntica, com carteiras de clientes em tudo semelhantes, tenham todavia diferenças muito significativas de custo de financiamento simplesmente por estarem em lados opostos de uma fronteira europeia. Ora, este não é o plano de igualdade concorrencial que projectámos para as empresas europeias quando juntos avançámos para o Mercado Único. E na luta concorrencial os trabalhadores e as empresas que já tiveram de suportar os efeitos da crise, e que têm de abrir o difícil caminho da recuperação, não devem ser ainda mais penalizados pela má gestão das finanças públicas, ou pelas disfunções do seu sistema bancário.

Esta reforma institucional é tanto mais importante quanto mais improvável se vai tornando a existência no futuro de um mecanismo de resgate permanente e incondicional, e ainda mais improvável um constante cheque em branco europeu para gastar e endividar o País. Nessa medida, caberá por muito tempo aos Estados nacionais a responsabilidade primordial pelas suas próprias finanças públicas. Temos de perceber que a salvaguarda da força sistémica da União Monetária que pretendemos com esta reforma não irá fazer desaparecer as consequências locais de possíveis rupturas financeiras nacionais. Apenas irá garantir que elas não se propagam ao sistema como um todo. Ora, isso significa que o exercício da responsabilidade financeira dos Estados-membros tem de continuar a ser uma preocupação central.

Minhas senhoras e meus senhores,

A mudança de percepção de que vos falei assenta em factos. Reflecte a mudança mais profunda que está a ocorrer em Portugal. Precisamos de consolidá-la, de aprofundá-la. Sabemos que não devemos voltar para trás neste longo caminho. E sabemos que ainda há muito caminho para percorrer.

Se, por um lado, o nosso sistema financeiro está agora bem capitalizado e tem reduzido a bom ritmo os seus níveis de endividamento, por outro lado, na frente orçamental precisamos de manter a disciplina e o esforço de redução da despesa pública. Não só porque temos metas orçamentais exigentes para cumprir, tanto as que foram acordadas com a Troika, como as que resultam da nossa presença na área do euro para o futuro, mas porque queremos aliviar a carga fiscal sobre o trabalho e sobre o consumo de modo permanente num prazo tão curto quanto possível. Em 2014, o défice do Estado será de 4 por cento do PIB. No final deste ano, teremos reduzido a despesa pública em cerca de 6,5 por cento do PIB relativamente a 2010. E teremos o primeiro excedente orçamental primário desde há muitos anos. A nossa estratégia de regresso aos mercados de financiamento público, iniciada logo em 2012, vem sendo validada pelas emissões de longo-prazo que temos feito. Essas emissões têm permitido acumular liquidez como política de prevenção, e neste momento estamos já a preparar o pré-financiamento de 2015.

Este é apenas um dos assuntos que deve obedecer a um compromisso político de médio e longo prazo com os parceiros sociais e com o principal partido da oposição. Agora é a altura de renovar o apelo a um consenso em torno da estratégia orçamental para os próximos anos, com metas concretas para os saldos e para os níveis de despesa primária e corrente. O nosso País precisa dessa estabilidade e dessa previsibilidade. Não tenho quaisquer dúvidas de que essa previsibilidade reforçaria a mudança benigna de percepção para benefício de todos os Portugueses.

Quanto à dimensão estrutural, permitam-me que refira que o programa muito amplo de reformas que executámos já está em grande parte sedimentado na Justiça, na Saúde, na Concorrência e na Regulação, no mercado de trabalho, no novo Código das Insolvências, no Licenciamento industrial, no ensino técnico e de aprendizagem profissional, na redução de rendas e liberalização dos sectores anteriormente protegidos, enfim em muito do que contribui para o aumento do nosso crescimento potencial e para a abertura e democratização da nossa economia. Por outro lado, precisamos de aumentar o investimento para acelerar o nosso desenvolvimento. Aliás, não foi por acaso que aproveitámos o reduzido espaço de manobra fiscal que temos tido para apostar no investimento. Primeiro, no crédito fiscal extraordinário. Depois, na reforma do IRC.

Precisamos de mobilizar o investimento e para isso queremos atrair mais investimento externo. Ora, também neste aspecto a mudança de percepção joga um papel essencial. Cada dia se torna mais claro para um número crescente de atores internacionais que Portugal é hoje um excelente lugar para a actividade económica. Reduzimos a burocracia que atrapalha o investimento, e temos no terreno uma estratégia de reindustrialização da economia, assente em grande medida na revitalização do investimento. Somos uma plataforma única de acesso a mercados estratégicos como a África Lusófona e a América Latina. E eu espero que, a curto prazo, possamos contar com acordos de comércio livre ambiciosos e equilibrados da União Europeia com o Canadá e com os Estados Unidos, que acentuarão ainda mais o nosso lugar estratégico de plataforma central da economia atlântica. Com tudo isto, poderemos dar largas à nossa vocação económica atlântica, amplamente demonstrada pelo sector privado português nestes últimos anos.

A economia portuguesa está hoje muito mais aberta ao exterior. Em 2009 o peso das exportações no PIB era apenas de 29 por cento. No final do ano passado ultrapassou os 40 por cento. Mas nós queremos mais: em 2020 temos a meta de cerca de 52 por cento, com 45% até final de 2015, e de assim trazer o perfil estrutural da economia para níveis semelhantes aos de outros países europeus com a nossa dimensão. Nos últimos três anos mostrámos que é possível recuperar a competitividade perdida sem recurso a desvalorizações cambiais. Temos ganho quota de mercado nos nossos mercados de exportação. Diversificámos para fora da União Europeia e com uma extraordinária rapidez. Demos saltos de qualidade muito significativos nas nossas indústrias tradicionais e aumentámos o conteúdo tecnológico do conjunto das exportações. O lado mais imediatamente visível desta transformação consistiu em termos alcançado pela primeira vez desde há várias décadas um excedente na balança de bens e serviços, consistiu em termos convertido um défice crónico na nossa balança corrente e de capital num excedente em crescimento. Do ponto de vista mais fundamental, porém, o que tudo isto significa é uma base muito mais sólida e sustentável para o crescimento económico futuro, já não assente em dívida, mas na produtividade, na criatividade e na concorrência. Ora esta base é a base de uma sociedade mais justa e com mais oportunidades para todos.

Na estratégia de abertura da economia ao exterior não devemos subestimar o papel desempenhado pelo programa de privatizações. O seu sucesso não deve ser apenas medido pelo facto de termos excedido em muito o objectivo inicial de arrecadação de receita. Foi decisivo para diversificarmos as fontes de financiamento da nossa economia numa fase em que isso se revelou vital para nós, já que nos garantiu que nunca estivéssemos completamente desligados dos mercados internacionais. Foi ainda decisivo para colocarmos a economia nacional junto de regiões muito dinâmicas na economia global, como a China e o Sudeste Asiático, ou o Golfo Pérsico, onde tradicionalmente encontrámos maiores dificuldades de penetração.

Minhas senhoras e meus senhores,

O objectivo nacional de abrir a nossa economia está, assim, ao nosso alcance. As reformas estruturais são, a este respeito, fundamentais. Mais concorrência, menos protecção dos sectores não-transaccionáveis, aumento do capital humano, são factores da abertura interna da economia, isto é, de uma participação mais intensa, inclusiva e equitativa de todos os Portugueses na vida económica. Ao mesmo tempo, a internacionalização do nosso sistema de ensino e científico, das nossas instituições públicas e privadas, constituem um outro aspecto importante desse processo de abertura, de uma abordagem mais cosmopolita aos nossos desafios, que terá reflexos nas exportações e na atracção de investimento estrangeiro e na qualidade de vida de todos os Portugueses.

A maturidade dos povos define-se também pela sua capacidade de aprender com os erros do passado.

Sabemos com toda a clareza quais as consequências de desperdiçar as oportunidades para reformar. É por isso que não voltaremos a desperdiçá-las.

Sabemos o que custa um processo de ajustamento depois do colapso que sofremos em 2011. E sabemos, com mais de 15 anos de experiência própria, que a dívida e o fechamento da economia não trazem crescimento: trazem estagnação, aumento do desemprego e redução das oportunidades. É por isso que queremos disciplina financeira e foi por isso que assinámos o Tratado Orçamental.

Sabemos o quanto pagámos por termos virado as costas às exigências da área do euro e do desafio da globalização. É por isso que estamos a inscrever as regras que lhes estão associadas nas decisões, tanto as escritas como sobretudo as não-escritas nas decisões políticas, no enquadramento institucional e no debate público nacional.

Estes são tempos de mudança. No contexto da mais grave crise europeia desde o pós-guerra, o aprofundamento do debate cívico, a renúncia aos populismos e às simplificações demagógicas, a par do fortalecimento das instituições, são condições essenciais para gerir essa mudança para benefício de todos, a nível nacional e no plano europeu. Precisamos de realismo nos diagnósticos e nas opções. E precisamos de confiança renovada para enfrentar os desafios do futuro.

Tudo isso está ao nosso alcance. Tudo isso fará a força das nossas democracias.

Muito obrigado.»

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